A obra sublime de Olivier Assayas chega quinta feira a Portugal.
Juliette Binoche e Kristen Stewart oferecem-nos, provavelmente, as melhores prestações das suas carreiras até hoje em “As Nuvens de Sils Maria” – uma história deslumbrante sobre um confronto de realidades e gerações. Esta obra, que estreia em Portugal na quinta feira, 2 de julho, foi escrita e realizada pelo francês Olivier Assayas e estabelece uma linha muito ténue entre identidade e idade.
É curioso que Binoche encontre um segundo catalisador para a sua carreira num filme de Assayas, considerando que, nos anos 80, foi ele o coargumentista de “Rendez-vous” (1985), uma obra que impulsionou a (na altura jovem) atriz para o universo da fama.
Ironicamente, a sua personagem – a atriz Maria Enders – passa por algo semelhante em “As Nuvens de Sils Maria”. Maria entra numa peça escrita por um realizador e argumentista – Wilhelm Melchior – que também foi importante para ela, no início da sua carreira, há 20 anos
Trata-se de uma atriz de meia-idade, que, além de revisitar o trabalho deste escritor, revisita também a icónica peça que foi a sua rampa de lançamento para o mundo do cinema; “Maloja Snake”. Nesta peça, Maria interpretou o papel de Sigrid – uma jovem rapariga que seduz e destrói a sua chefe, Helena. Agora, esta mulher é desafiada a interpretar o outro papel (Helena), contracenando com Jo-Ann Ellis (interpretada por Chloë Grace Moretz) – uma jovem celebridade de Hollywood, ao estilo de Lindsay Lohan.
“Eu sou a Sigrid. Sempre fui e quero continuar a ser a Sigrid.” Esta é a resposta da atriz, quando confrontada com o desafio que é ter de representar a “enfeitiçada” em vez da “feiticeira”
“Eu sou a Sigrid. Sempre fui e quero continuar a ser a Sigrid.” Esta é a resposta da atriz, quando confrontada com o desafio que é ter de representar a “enfeitiçada” em vez da “feiticeira”. Maria tem problemas em entrar no papel que é, na verdade, a sua realidade – a velhice. Percebemos isso enquanto ela, com a ajuda da sua secretária, Valentine (Kristen Stewart), treina os diálogos numa casa de campo – que fica numa isolada terrinha chamada Sils Maria, bem dentro dos Alpes. À medida que o tempo passa, torna-se cada vez mais difícil distinguir os momentos em que Maria e Valentine estão a ler o guião dos momentos em que estão a ser elas mesmas. A peça vai-se transformando nas suas vidas.
Kristen Stewart prova que o seu passado, na pele da rapariga que se apaixona por vampiros e por lobisomens, já passou. E ainda bem. A oca e destemperada Bella Swan parece ter sucumbido à imagem desta forte, inteligente e carismática Valentine.
Há quem diga que Juliette Binoche é, ainda, aos 50 anos, um sex symbol. A produção soube jogar com essa ideia, com um assinalável brilhantismo, no primeiro quarto do filme – antes de Maria ir para Sils. No entanto, o segundo ato abre com a atriz a despertar do sono, e as suas primeiras palavras são: “Tive um sonho em que o futuro estava misturado com o presente. Foi confuso”. Nesta altura, a sexy e tentadora Maria desapareceu. O choque obriga-nos a interiorizar uma pessoa diferente, mais cansada e “confusa” pelos anos que já passaram.
O realizador afirma ter escrito um argumento inspirado na sua relação com Juliette Binoche, em jeito de dedicação. E talvez seja essa empatia, entre a atriz e a câmara, que torna tudo tão vivo, e por isso tão trágico. “As Nuvens de Sils Maria” desperta-nos a dura consciência sobre a efemeridade de tudo aquilo que alguma vez aspirámos ter ou ser. E se o argumento pesa tanto como o realizador quis, é porque todos sabemos que isso, mais do que uma ideia, é um facto.
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